Inés Miriam Alemán
.
APÓS o processo de Nüremberg, onde foram julgados os principais culpados de crimes de lesa-humanidade e contra a paz, parecia que o mundo assistia o ocaso de uma etapa histórica, o fim da barbárie e o início de uma nova era, baseada numa ordem internacional que não permitiria repetir os fatos vividos durante a Segunda Guerra Mundial.
Diante da atrocidade nazista, foi adotada a Declaração dos Direitos Universais do Homem, que todos os governos têm a obrigação de cumprir, quer seja em tempo de paz, quer em tempo de guerra.
Era uma definição muito clara do que constituem crimes contra a paz (aqueles que violam os acordos internacionais ou favorecem o ataque sem justificação contra outra nação), contra a humanidade (planejamento, execução ou participação em extermínios e genocídios) e crimes de guerra (descumprimento das leis ou convênios internacionais sobre a guerra).
Depois, um grande número de instrumentos legais internacionais codificaram cada vez mais os delitos contra os direitos humanos. O genocídio e a tortura são punidos conforme estes mecanismos. Os mais conhecidos são a Convenção de Genebra e, mais recentemente, a Convenção contra a Tortura, que obrigam, inclusive, os membros da ONU a agirem diante dos fatos que transgridam o acertado nestes tratados.
Contudo, numerosos testemunhos desde 2001 sobre a prática da tortura por parte dos EUA evidenciam premeditação na manipulação das leis internas e internacionais.
Com os mesmos métodos que utilizam para se intrometerem nos assuntos internos de outros países, alegam a "necessidade" de torturar para tirar informação, que poderia impedir um ataque a seu país ou o imperativo de um "interrogatório" pelos supostos vínculos com a Al-Qaeda, ou se atribui o "direito" de realizar ou ordenar execuções extrajudiciais contra toda pessoa que afete seus interesses imperiais.
A tortura é um dos muitos crimes que escurecem a história dos Estados Unidos.
A MÍDIA DOS EUA DEFENDEU A TORTURA
Depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, essa mídia que hoje simula estar aparvorada, suplicou para que se permitisse a tortura legal a prisioneiros pretensamente terroristas, de fato, aprovaram as que posteriormente se cometeram.
Em 5 de novembro desse mesmo ano, numa edição da Newsweek, o editor Jonathan Alter escreveu um artigo intitulado: É hora de considerar a tortura, onde expressava: "Não podemos legitimá-la porque é contrária aos valores do nosso país, mas... devemos manter uma perspectiva aberta acerca de certas práticas... devemos considerar o translado de alguns suspeitos para os países aliados, onde a tortura não afete tanto".
Nesse mesmo dia, o The New York Time publicou Na mídia, a tortura em debate, que oferecia uma longa relação de trabalhos a favor da tortura, propagados pelos meios de comunicação, entre os que se encontravam as televisoras CNN e Fox, e jornais como o Wall Street Journal, e outros.
O horror que agora mostram os meios de comunicação estadunidenses e os funcionários do governo diante de revelações sobre maus-tratos das forças dos EUA no Iraque, contrasta com o lançamento de bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki, chacina que ainda abala o mundo, com os atos brutais praticados no Vietnã e com o desenvolvimento de novos métodos de torturas.
A aprovação da tortura pela administração Bush não tem precedentes.
Exigiu, sem vergonha, o direito de torturar, legitimado por novas definições e leis.
Diante das mais recentes revelações de torturas praticadas pelos EUA não houve comoção e incredulidade, mas sim medos ressuscitados.
A lembrança daquele passado horrendo e as realidades atuais, dos cárceres estabelecidos pela CIA, onde são cruelmente martirizadas as pessoas, a maior parte delas, inocentes, leva a profundas reflexões. A amnésia histórica é um fenômeno muito perigoso.
"OLHAR PARA O FUTURO"
O presidente dos EUA, Barack Obama, quer abordar os abusos cometidos pelo seu antecessor. Disse que esta técnica deu "quase em nada" e que desprestigiou o país perante a comunidade internacional. No entanto, justificou a decisão de não divulgar centenas de novas fotografias que mostram as práticas aberrantes, porque colocariam em "perigo as tropas estadunidenses" que se encontram no exterior. Além disso, expressou que o governo anterior tomou uma série de decisões "com muita pressa", baseadas no "desejo sincero" de proteger o povo estadunidense.
À medida que se intensifica o debate surgem duas opiniões. Uma afirma que, apesar de se ter autorizado a tortura e de ir contra os princípios e valores do país, é necessário deixar atrás esta "irregularidade" e olhar para o futuro, e argumenta que iniciar um processo contra o ex-presidente, George Bush; contra o ex-vice-presidente, Richard Cheney, ou contra o ex-secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, seria vergonhoso, custoso e desgastante, e ao mesmo tempo, dividiria a nação.
A outra enfatiza que as leis existem para serem cumpridas, que todos devem ser processados por violarem a legislação norte-americana e os acordos internacionais assinados por Washington.
Os que são a favor da primeira opinião, logicamente, padecem de "arrogância democrática e imperial", pois acham que por se tratar dos EUA, não é necessário fazer justiça e que mudar de governo é suficiente para perdoar os crimes cometidos.
Se o nome de Auschwitz provocava o pânico entre os povoadores dos países ocupados pelas tropas de Hitler, porque ali se praticavam os mais cruéis métodos de extermínio, sem levar em conta a nacionalidade, militância política, religião, origem, sexo, idade, onde mais de 4 milhões de pessoas morreram, a humanidade também deve abalar-se com a Escola das Américas, cruel instituição "educativa", que ensina a torturar e a perpetrar golpes militares concebidos em Washington.
A terrível ironia do debate atual é que, sob o pretexto de erradicar futuros maus-tratos, pretendem apagar da história os maus-tratos passados.
A evidência continua, logicamente, arquivada nas dezenas de milhares de documentos revelados ou sem revelar no arquivo da Segurança Nacional de Washington, mas na memória coletiva, os desaparecidos voltam a desaparecer uma e outra vez.
Este esquecimento faz mal não só às vítimas desses crimes, mas também à causa de afastar para sempre a tortura do arsenal político dos EUA.
Fechar uma prisão, acabar com um programa, inclusive pedir a demissão de alguma "maçã podre", preservará apenas a prerrogativa de torturar.
Os assassinatos no muro da vergonha na fronteira com o México, o silêncio cúmplice diante do assassinato de crianças, mulheres e idosos em Gaza por parte de Israel, o bloqueio a Cuba, a proteção a terroristas como Posada Carriles, a política que impede que os que torturam, assassinam e cometem grandes violações sejam julgados ou sancionados, são elementos contundentes que evidenciam que o império é o pior exemplo em matéria de direitos humanos. O germe de Auschwitz permanece latente.
.