Além do Cidadão Kane

sexta-feira, 20 de março de 2009

África

''Violem as mulheres, matem as crianças''

Desertor do Exército sudanês relata horror dos ataques contra a população civil de Darfur


Os métodos de combate usados pelas forças do governo do Sudão e pelas milícias árabes apoiadas por Cartum contra tribos da região do Darfur são uma coleção completa de quase todos os crimes que podem ser praticados numa guerra - estupros, pilhagem, destruição de residências, deslocamentos populacionais forçados e assassinatos. As atrocidades aparecem no relato de um militar desertor do Exército sudanês, identificado pelo jornal britânico The Guardian apenas como Kajabier, de 34 anos. Ele descreveu os crimes cometidos por ele e por um batalhão de outros 400 militares em abril de 2003, em diversos vilarejos de Darfur, na fronteira entre o Chade e o Sudão. "Não deixem sobreviventes", foi a ordem dada pelo coronel Samir Jaja a seus homens. "Estuprem as mulheres, matem as crianças. Não deixem nada para trás." Depois de desertar, Kajabier fugiu do Sudão e passou a denunciar o governo. "Meu povo está sofrendo e eu quero uma resposta do mundo", disse. Depois do ataque de abril, Kajabier disse ter-se recusado a participar de novas ofensivas. Como castigo pela insubordinação, foi torturado. Ele diz que é impossível precisar o número de vítimas desses ataques, mas conta que, em alguns dos vilarejos, havia mais de 500 casas. Segundo Kajabier, os vilarejos de Ber Tawila e Sani Koro, em Darfur, estão abandonadas até hoje. PESADELOS A violência contra civis não era cometida apenas pelas forças do governo, mas também pela milícia janjaweed ("diabo montado no cavalo", em árabe), apoiada por Cartum. "Nós cercávamos os vilarejos e os janjaweed vinham logo atrás, em camelos e a cavalo, e caçavam os que fingiam estar dormindo depois de nosso ataque", contou Kajabier. "Nós começávamos queimando as cabanas, uma por uma. Depois, atirávamos. Poucas pessoas escapavam." O militar desertor afirma que até hoje tem pesadelos com os ataques lançados em Darfur. Kajabier também diz que só consegue dormir sob efeito de medicamentos. Segundo ele, as imagens mais difíceis de ser esquecidas sãos as que envolvem crimes sexuais contra crianças. "Isso ficará comigo para sempre", disse Kajabier. Estima-se que 300 mil pessoas morreram e 2,7 milhões foram obrigadas a deixar suas casas desde o início do conflito na região do Darfur, em 2003. Organizações de defesa dos direitos humanos acusam o governo sudanês de ter apoiado as milícias que cometeram crimes contra a humanidade e crimes de guerra em larga escala durante o conflito de Darfur. O caso de Darfur é um reflexo recente das inúmeras guerras civis, golpes de Estado e revoltas populares que têm dominado o Sudão desde os anos 50. Além de disputas étnicas e tribais, o conflito atual também é influenciado pela luta pelo acesso à água. Mesmo antes de 2003, os janjaweeds, tribos nômades de Darfur, já vinham invadindo propriedades na região que tinham maior acesso à água e melhores pastos.

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Texto: Fonte: Reuters e The Guardian, Londres /

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