Além do Cidadão Kane

sábado, 7 de março de 2009

Excomunguem-se!

Cristina Moreno de Castro
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Uma menina de nove anos, baixinha, magrinha, abusada sexualmente pelo padrasto durante três anos.
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Engravida. Pior: de gêmeos.
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Os médicos atestam que, se ela não abortar, correrá sérios riscos de morte, inclusive porque seu útero, muito menor que de uma mulher adulta, provavelmente estouraria com o peso dos gêmeos.
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Ou ela aborta da gravidez criminosamente provocada, ou muito provavelmente morre.
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A legislação brasileira, ainda atrasada, já prevê abordo em duas circunstâncias:
- se a mãe estiver correndo risco de morte
- se a gravidez for decorrente de estupro.
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[Estupro, pra quem não se toca, é uma das piores e maiores agressões, físicas e psicológicas, a que uma mulher pode ser submetida. Piora em grau de perversidade se for feito contra uma criança de nove anos, evidentemente sem condições de se defender de seu agressor.]
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Ou seja, o aborto da menina de nove anos era garantido pelas duas condições legais.
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Era, antes de tudo, garantido pelo bom senso de se preservar uma vida, já por demais fragilizada.
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Por isso, autorizados pela mãe da criança, médicos de Pernambuco procederam com a cirurgia e hoje a menina passa bem (fisicamente, é claro. Para curar as feridas psicológicas, ainda é preciso um bom acompanhamento e carinho familiar).
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Tudo ia bem no desfecho desse conto de fadas cruel da vida real.
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Até que um arcebispo, saído diretamente da Idade Média, decidiu excomungar médicos e mãe por terem salvado a vida da criança estuprada.
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Ameaçou até entrar na justiça contra o "crime" cometido por eles.
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Esqueceu-se que vive num Estado laico, protegido por leis que respeitam a garantia à vida de quem já está vivo.
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Por outro lado, embora o padrasto estrupador e pedófilo tenha cometido um crime gravíssimo, não pode ser excomungado, pelas regras da Igreja Católica, segundo o mesmo arcebispo.
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Guardemos o nome do arcebispo: José Cardoso Sobrinho.
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Ele não fala por todos os católicos. Mas ganha o apoio em sua posição da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (que realiza a elogiável campanha da fraternidade) e de um chefe do Vaticano (Estado hoje regido por um papa conservador, retrógrado e que discorda diametralmente de posições históricas como a do papa João XXIII e do São Tomás de Aquino, que contribuíram para o avanço da humanidade).
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Minha pergunta é: que igreja é esta e pelas regras de qual deus ela é regida?
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Ou, muito melhor: quem são os homens da Terra, muito pouco humanos, que decidiram essas regras e esses critérios, os transformaram em política de um Estado chamado Vaticano, e alardearam estarem representando uma entidade divina e benevolente?
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Encontremos esses homens, mesmo os já defuntos, e julguemo-los por crime contra a vida humana. E que aqueles que, como o médico (católico) que salvou a vida da criança, acreditam em princípios de fé cristã muito diferentes dos dogmas normatizados pelos homens da Igreja, desvencilhem-se da instituição que fala por eles como inquisitores – os mesmos que, lixando-se para a vida das mulheres, queimavam-nas nas fogueiras por crimes sem provas.
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Excomunguem-se!
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P.S. Corre uma campanha na internet chamada "Eu também quero ser excomungado". Para aderir a ela, basta mandar um e-mail para arcebispo@arquidioceseolindarecife.org.br. E quem não for irônico que me perdoe.
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Postado em roxo por ser a cor que mais lembra a Idade Média (N.P)
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Original em NovaE

Um comentário:

Cris disse...

Olá, velho comunista. Vi que reproduziu o artigo da NovaE. Só uma pequena correção, que eu tinha escrito errado e depois tive que editar por lá mesmo: no lugar de papa João Paulo I, que só ocupou o cargo por um mês, eu me referia ao João XXIII, ok?
Grande abraço,

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