Além do Cidadão Kane

domingo, 26 de julho de 2009

Golpe ao Golpe

Traduzido por Rosalvo Maciel

Em um contundente apoio a Zelaya, o Mercosur adiantou que não reconhecerá as eleições convocadas pelos golpistas. O documento que subscreveram os presidentes reunidos na Conferencia de Assunção expressou seu repudio a qualquer medida unilateral que adote o governo de fato. E exigiram a imediata reintegração de Zelaya.

Em um contundente gesto de repudio, os países do Mercosur anteciparam que não considerarão válido nenhum ato unilateral de parte do governo golpista de Honduras, nem sequer a convocação de eleições. Assim ficou consignado no documento final da conferencia que se realizou ontem em Assunção. A proposta partiu de Cristina Kirchner: “Não podemos tolerar o que seria uma ficção de um governo de fato que destitui a um governo democrático, logo se compromete a convocar eleições e então nós reconhecermos esse processo eleitoral posterior”, sustentou durante a plenária. Logo após sua intervenção, Cristina Kirchner recebeu um chamado do destituído presidente Manuel Zelaya, o qual lhe agradeceu suas palavras e, ainda na Nicarágua, antecipou a caminhada que realizaria até a fronteira: pouco depois ingressou em Honduras simbolicamente por uma hora.

Em um bloco que permanece travado ad infinitum em certos aspectos econômicos, a união de presidentes que pensam parecido lhes permite em troca avançar com fluidez nas questões políticas e sociais. Assim, Argentina levou a idéia de trabalhar sobre Honduras e a epidemia de gripe A. Os presidentes o tomaram e avançaram ontem rapidamente até chegar a importantes conclusões.

O golpe em Honduras esteve presente em todos os discursos durante a conferencia celebrada no novo e impactante Centro de Convenções da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). A abertura da sessão correu por conta do anfitrião, Fernando Lugo. “Honduras é uma ferida que sangra”, disse o paraguaio, que ontem passou a presidência pro tempore do bloco a Tabaré Vázquez. Lugo profetizou que “esse golpe não ficará impune”.

O segundo turno correspondeu à presidente argentina.

A conferencia voltou a mostrar Cristina Kirchner em um papel ativo em relação ao golpe em Honduras. “É importante abordar a questão sem discursos inflamados, nem agressões, mas sim com muita decisão e precisão, que também devemos condenar qualquer tentativa do que denominou ‘golpes benévolos’, que seriam destituir através de uma administração cívico-militar a um governo constitucional, passar um tempo e logo convocar eleições – que seguramente terão a presença de numerosos delegados internacionais – e desta maneira legalizar o que constitui um golpe e então conceber o atestado de óbito da Carta Democrática da OEA e também fazer uma ficção da cláusula democrática de nosso Mercosur”, sublinhou em sua intervenção.

Tabaré Vázquez tomou a posto e considerou que o bloco devia considerar inválida essa convocação às eleições. O brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva também foi enfático. “O golpe em Honduras é um retrocesso democrático que não se pode tolerar e com o que não se pode transigir”, declarou. Da presidência do Brasil informaram que logo telefonou a Zelaya para desejar-lhe “sorte” em sua travessia até a fronteira. “Tenha cuidado”, lhe aconselhou.

Nas mensagens dos presidentes se destacou a ação realizada pela OEA e embora tenha havido o reconhecimento à posição mantida pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, permaneceu a idéia de que Washington é quem tem a chave para cortar o caminho do governo de fato. Sem o venezuelano Hugo Chávez – que decidiu não assistir em sinal de desacordo porque não se convidou a Zelaya para a conferencia – nem ao equatoriano Rafael Correa, o boliviano Evo Morales foi quem se encarregou de levantar a voz contra “o império”, segundo definiu. Sustentou que em que pese as consideradas palavras de Obama existe nos Estados Unidos uma direita que favorece aos golpistas, do contrario teriam permitido a Zelaya aterrissar na pista que o Comando Sul possui em território hondurenho. Imaginou que não teriam dúvidas em permiti-lo no caso de que quem houvesse derrubado ao governo fosse uma guerrilha de esquerda.

Em sua segunda intervenção, Cristina Kirchner pediu que o que se estava dizendo ficasse registrado no documento final. “Se não tudo o que dizemos, fazemos ou temos escrito em matéria de democracia seria pura ficção”, insistiu.

O resultado foi uma amostra de respaldo do bloco ao governo democrático de Zelaya e de repudio ao de Roberto Micheletti, com uma contundência que não costuma ver-se nos adocicados âmbitos diplomáticos. Em uma declaração os presidentes expressaram que “não reconhecerão a nenhum governo que surja dessa ruptura institucional”. “O governo constitucional e legítimo de Honduras é o liderado pelo presidente Manuel Zelaya”, para quem exigiram “o retorno sem restrições”.
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Original em Página 12
Publicado em Rebelión
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