Que os gaúchos se cuidem – e que os bancos públicos tranquem os seus cofres. O presidente da filial da General Motors declarou que a empresa “está comprometida com o futuro do Rio Grande do Sul”. Da última vez que houve uma declaração desse tipo, metade das cidades do Estado de Michigan, EUA, viraram cidades-fantasmas. Se tiverem alguma dúvida, favor consultar o cineasta Michael Moore, que nasceu em Flint, a cidade em que a GM foi fundada. Moore acha que a GM é uma quadrilha de vigaristas e bandidos – fez até um filme, o primeiro de sua carreira, sobre isso. Com efeito, ninguém até hoje desmentiu Moore – pelo contrário, segundo o presidente Obama, é isso mesmo.
E, realmente, a julgar pelos festejos promovidos em Gravataí, Porto Alegre e Brasília na quarta-feira, a coisa está mais para Al Capone do que para Eliot Ness. Bem fez o presidente Lula, homem sério e de espírito prático, lembrando logo que, se os planos anunciados pela GM forem verdadeiros, isso quer dizer que “a empresa foi precipitada no mês de dezembro”, quando demitiu operários – e entrou na maré de chantagem para diminuir os seus salários.
CONJUNÇÃO
No meio da pantomina, a governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius, mostrando o jeito tucano de ser, deu um suspiro e declarou: “mais do que brasileira, a GM é gaúcha”. Nós nem sabíamos que a GM era brasileira. Agora, sabemos que, segundo a governadora, o Rio Grande do Sul não faz parte do Brasil, pois só assim algo pode ser mais gaúcho do que brasileiro. E logo a GM...
Mas, compreende-se – a governadora é uma pessoa muito doméstica. Gosta muito de casas. Principalmente com o dinheiro alheio.
A GM, também. Dessa conjunção de afinidades só podia nascer um assalto: a GM só pagará ao Estado do Rio Grande do Sul 25% do ICMS. O resto, 75%, será financiado com 10 anos de carência e mais 12 anos para amortizá-los em suaves prestações. Em suma, durante 10 anos a GM só pagará um quarto do imposto estadual que deveria pagar, aquele imposto que, em princípio, é para construir ou manter escolas, hospitais, etc.
Como a governadora não se interessa por essas coisas, deu à GM isenção de 75% do ICMS durante 10 anos. Qual a vantagem que o Estado e a população terão com a GM “investindo”? Bem, a GM promete, com a expansão da sua fábrica, fornecer a fabulosa quantidade de 1000 (mil) empregos diretos daqui a três anos. Será o emprego mais caro que já apareceu no país – o que nada tem a ver com o salário que os funcionários receberão, evidentemente.
Mas, segundo foi anunciado, além disso haverá 7 mil empregos indiretos – de onde saiu essa conta, nós não sabemos. Provavelmente do mesmo lugar que saiu a “obsolescência planejada” e outras vigarices da GM, pois é evidente que esse é um número sacado de alguma cartola. Aliás, mesmo que fosse verdade, seriam ao todo apenas 8 mil empregos, incluindo, provavelmente, o vendedor de bilhetes de loteria que fará seu trabalho na porta da fábrica da GM. Um tremendo emprego indireto...
Todo mundo sabe que a GM é uma corporação falida, um monopólio moribundo, que mal se sustenta, e somente ainda não foi fechada à custa dos contribuintes norte-americanos, isto é, do dinheiro do povo dos EUA.
Mas, segundo o presidente da filial no Brasil, um certo Ardila (esse pessoal tem cada nome...), isso é a matriz. Já a filial que preside, está tão bem que vai investir R$ 2 bilhões, além de R$ 3 bilhões que já teria investido, para expandir sua fábrica no Rio Grande do Sul. Se fosse verdade, seria o primeiro caso de uma filial que nada em dinheiro, enquanto a matriz está falida, e esta não toma nenhuma providência...
Repetindo Ardila, certa mídia saiu por aí trombeteando os “recursos próprios” que a GM vai investir no Rio Grande do Sul. Um chupa-tintas estampou em letras garrafais: “Com investimento bilionário, GM mostra confiança no mercado brasileiro”.
Ora, quem não pode confiar na GM é o mercado brasileiro, ou seja, os consumidores, os compradores, o povo. Se os americanos, que conhecem essa turma mais de perto, não confiam, por que nós devemos confiar?
A GM, evidentemente, não vai “investir” R$ 2 bilhões em “recursos próprios” no Estado natal da grande Ana Terra. Não por falta de lucros no Brasil, que os tem, e excessivos. Mas, se a filial da GM tivesse R$ 2 bilhões (aliás, segundo Ardila, R$ 5 bilhões) em “recursos próprios”, a matriz nos EUA já teria requisitado os cobres para cobrir o seu rombo, pois a função de uma filial é remeter dinheiro para a sede, mais ainda em tempos de crise e bancarrota.
Porém, segundo o presidente da filial, “nunca fomos parte do processo de restruturação nos EUA”. Certamente, não é a nós que ele precisa convencer disso – até porque não vai conseguir. O próprio BNDES bloqueou a liberação de empréstimos já aprovados à filial da GM enquanto durou a concordata da matriz. O sr. Luciano Coutinho pode ter uma política equivocada no banco que preside, mas não é idiota de se meter num sarilho desses.
Mas agora, que o governo norte-americano assumiu a tutela da matriz, as coisas são diferentes. Naturalmente, os “recursos próprios” de Ardila são recursos do BNDES, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), do BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul) e do Erário estadual. Ou seja, são recursos de bancos estatais e do Tesouro local.
Ardila afirmou que 50% dos recursos seriam da GM e o resto viria 30% do BNDES e 20% do Banrisul (Zero Hora, 15/07/2009). Mas também afirmou que a GM pediu R$ 700 milhões no BNDES, R$ 344 milhões no Banrisul e R$ 200 milhões no BRDE. Só aí já há R$ 1 bilhão e 244 milhões, portanto, mais de 50% de R$ 2 bilhões, vindo de bancos públicos (O Estado de S. Paulo, 15/07/2009).
ERÁRIO
Resumindo: nos EUA, a GM vive do dinheiro dos contribuintes. Aqui, no Brasil, é diferente - ela pretende viver do dinheiro dos bancos públicos e do Erário, ou seja, do dinheiro do contribuinte brasileiro. Certamente, é muito diferente, pois americano não é brasileiro e brasileiro não é americano. Como se pode dizer que o dinheiro do contribuinte de lá é igual ao do contribuinte de cá?
Parece, aliás, que esse é o grande negócio: arranjar dinheiro do Estado. O resto, inclusive a produção de automóveis, só serve para atrapalhar. Infelizmente, a GM ainda não conseguiu pegar dinheiro do Estado sem produzir alguma coisa. No dia em que isso acontecer, será a perfeição...
O presidente da GM é um sujeito fiel à tradição da empresa. Nunca diz nada muito preciso, nem muito seguro nem muito verdadeiro. No meio da entrevista coletiva, alguém lembrou que a GM começou há algum tempo a construir uma fábrica no Estado vizinho, Santa Catarina. E então? Qual o sentido de ampliar outra no Rio Grande do Sul? Bem, respondeu ele, é “altamente provável” que a fábrica de Santa Catarina forneça motores à unidade do Rio Grande do Sul. “Altamente provável”? Por pouco Ardila não disse que para ter certeza do que a unidade de Santa Catarina fará, é necessário consultar o presidente da GM do Brasil... Ou será que quem se interessar pelo assunto terá de recorrer à matriz nos EUA para saber?
Convenhamos, melhor proposta fez um leitor do jornalista Luís Nassif: já que a GM está falida, porque não estatizamos a filial, mais ou menos como o Obama fez com a matriz, para ter, finalmente, uma indústria nacional de automóveis? Pelo menos o dinheiro do BNDES seria melhor empregado...
CARLOS LOPES
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário